sábado, setembro 23, 2006

ENTRELINHAS


Cuidado, quando lês o que eu escrevo
E quando falas sobre o que escrevi
Pois leio muito, e lendo não me atrevo
A comentar aquilo que já li.

A pausa mostra sempre a frase oculta
A letra esconde o que eu não quis dizer
Se a fala é diferente do que escutas
É na entrelinha que tu podes ler

Sentença exata, não se faz, jamais
Tudo o que penso, tenho só comigo
Pois na escrita o gesto se desfaz

E vendo a guerra, posso dizer paz
A vírgula diz tudo, meu amigo,
Então, calado, digo muito mais!

Oldney

SONETO PELA LEVEZA DO DIZER


Se o poema tem que ser grafado em letras
Se o papel precisa ser impresso em tinta
Seja, a letra, mais sutil que a estrela extinta
Seja a tinta mais fugaz do que os cometas

Aqui deixo nulidades, vis reversos
Como dádiva sagrada a ti, leitor,
Sejas tu, teu pensamento, o estertor,
Das imagens que fizeres dos meus versos

Seja Ícaro alado a idéia pura
Não derreta a cera o sol de forma dura
Que a escrita não deturpe idéias minhas

E que as tintas não me manchem bons momentos
E que as letras não maltratem pensamentos
Que a palavra não estupre as entrelinhas



Oldney

VIVER DIVERSOS


Vivo do gosto dos sabores não provados
E das saudades de momentos não vividos
Vou por caminhos jamais antes percorridos
Sonhando sonhos atrevidos e ousados.

Se tenho sede, é na poesia que a sacio
Na solidão meus versos são meus companheiros
Vão dando forma aos pensamentos passageiros
Tornando a letra em ânsia e paz e guerra e cio

Os devaneios, tão fugazes, tão dispersos
Vêm em grinaldas, cascateando, em euforia
E viram versos, numa lírica alquimia.

Em um segundo vivo momentos diversos
Pois tenho a sorte de verter vida em poesia
E a ventura de saber viver de versos!

Oldney

MORRER DIVERSOS


ESTAR MORTO

(QUANDO ME FALTAM OS VERSOS)


“Agora eu estou morta.
Estou falando do meu túmulo.”
(Clarice Lispector)



Quando me faltam os versos
É o próprio ar que me falta
A própria água e o pão
Quando me faltam os versos
Falta-me a própria razão
Falta o sentido da vida
Faltam-me os pés, falta o chão.

Quando me faltam os versos
Faltam-me o belo e o altivo
O resplendor, o brilhar
Falta-me então estar vivo
Pois vivo de versejar

Quando me faltam os versos
Envolve-me a aura escura
Encarcera-me a angústia
Sufoca-me a amargura

Resta um sol que não fulgura
Flores secas, sem odor,
Restam manhãs sem ternura
Restam noites sem amor
Porque se me faltam versos
Vira o mundo sepultura
Sem alento, sem encanto,
Um existir frio e torto,
Pois dentro de um peito em pranto
Um coração bate morto.


Oldney Lopes

PASSADO



PASSADO

Caso nada aconteça
A vida terá passado
Sem ter passado

Oldney

CAPTURA



CAPTURA

Escapa-me, por vezes,
Um pensamento qualquer
Leve, limpo, ligeiro e livre
Como corcel alado
A volitar, etéreo,
Além da orla da minha aura

Tento laçá-lo
E se consigo
Transfigura-se
Toma peso de mastodonte

Cai na intenção do raciocínio
Cai nas armadilhas da língua
Cai nas grades da tinta
Cai nas masmorras do papel

Cai.

Oldney

A PRIMEIRA LÁGRIMA

A PRIMEIRA LÁGRIMA

Sob a pressão das pálpebras contida
Numa expressão de dor transfigurada
Presa no peito arfante, comprimida
Vislumbra os cílios da alma torturada

E quando encharca, enfim, toda a retina
Mas, impotente, temente à explosão
Agora equilibrista e bailarina,
Sustenta-se em dorido esforço vão

Mas quando o jorro da emoção vence a razão
Brota a primeira lágrima, calada
Vertendo a dor que nasce ao coração

Desaba, pela face, aliviada
Clareia e desabafa a alma magoada
E uma só gota, agora, é turbilhão!

Oldney

A SEGUNDA LÁGRIMA



A SEGUNDA LÁGRIMA

A lágrima é o reflexo da dor
Condensação de um viver sem cor
Materialização de um sofrimento
E concretização de um sentimento.

Escorre, distraída, pelo rosto
Na alma desaba em profuso desgosto.
Como jorro de sangue inunda o espaço
E afoga o tempo, o temporal devasso.

Mas prantear é também ser feliz:
Se o corpo chora e a alma é quem diz
Quem chora é o peito alegre, o ser se acalma.

Então, que chore sempre o coração
Pois quando o pranto é pleno de emoção
A lágrima que rola é o gozo da alma.

Oldney

A TERCEIRA LÁGRIMA

(foto by Yves Gingres - in http://novosvoos.blogspot.com/2005/11/menino-de-rua.html)


A TERCEIRA LÁGRIMA

“Si me flere, dolendum est primum ipsi tibi.”

Se o homem destemido jamais chora
Eu digo que até Deus pode chorar
Pois já que tudo pode, a qualquer hora
Pode também, sentido, lacrimar.

Pois vi, num rosto, a fome da criança
Carente, solitária, numa praça
Todo amargor, toda desesperança
Daquela vida só, fria, sem jaça.

Seus olhos eram vozes a implorar
Era um espelho, a angústia em seu olhar
A refletir, dolente, os olhos meus.

Sem entender o senso do destino
Vi merejar nos olhos do menino
Plácida e triste a lágrima de Deus.

Oldney

CRIÂNSIA
















CRIÂNSIA


Queria estar vivendo nesta hora
O mundo imaginário dos meus sonhos
Das alegrias, dos fatos risonhos
Que infantilmente imaginei outrora

Contos de fadas, eu diria agora
Puerícia vil de menino mimado
Pelos seus pais extremamente amado
Até sair um dia, mundo afora

Mas hoje piso sobre os estilhaços
Dos castelos de cristal que um dia ergui
E tento em desespero unir pedaços

Do mundo tão bonito de “criância”
Que imaginei durante toda infância
Mas, triste, vejo hoje que os perdi.

Oldney

ESCUDO E FACA


Meu verso
Me esconde
E me desnuda
Me protege
E me atinge
Me revela
Me louva
Me reprime

É vidraça
Telhado
Espelho



Oldney

terça-feira, setembro 19, 2006

G R A N D E (conto)


(foto by Finbarr O’Reilly, Agência Reuters, vencedora do prêmio World Press Photo - in: http://www.algarvedigital.pt)







GRANDE
(CONTO)





I
Dalila tem Hermínio no colo

Grande, é assim que Dalila via seu filho no futuro, através da névoa criada pelas lágrimas bailarinas que equilibravam-se em seus olhos, via-o famoso, influente, admirado, invejado por todos. Grande! Um grande homem. Segurava-o nos braços, ainda bebê, ainda pequenino, ainda frágil, mas haveria de se tornar um grande homem, pensava ela. Enquanto ele dormia, ela o fitava com lágrimas merejando nos olhos e jorrando no coração, e falava em pensamento, vou esfolá minhas mão, estropiá minha coluna, mas hei de fazer de tu um grande homem, não hei de deixar tu ser pequeno como seu pai e como seu avô, que Deus os tenha, nem que tenha de lavar mil trouxa de roupa por dia, nem que tenha de viver de sol a sol enfiada no riacho, nem que tenha de varar as noite em claro passando e engomando, tu há de ser grande, há de sair desse miserê, e nada há de mudar seu destino, nada há de desvia ocê do caminho, não vai ter pedra nem revólver nem canhão nem bomba capaz de te machucá, nem tempestade nem vendaval nem raio capaz de te jogá no chão, e há de mostrá pro mundo a que veio, ora essa, e há de transformá em glória todos os fracassos que tivemos, e em vitórias todas as derrotas que penamos, e em sucesso todas as vergonhas que sofremos, e há de mostrá pra todos os que fez nós sofrer que o mundo dá muitas volta e nessas volta que o mundo dá tudo é possível de acontecer e muita água há de rolar debaixo da ponte e muita coisa há de acontecer e você há de vencer e ver debaixo dos seus pés toda a gente que humilhou sua mãe e seu pai e seu avô e há de formar uma família rica e poderosa que nunca mais há de ser explorada e nunca mais há de ser envergonhada na frente dos outro e de hoje em diante minha vida vai ser toda para seu sustento e para seu estudo e para sua vitória, pois há de ser grande, muito grande na vida...


II
Dalila tem Hermínio no colo

Tu não deve abaixar a cabeça para nenhum colega, ora essa, se te xingou xinga ele também, se te bateu bate nele também, você não é menor que ninguém só porque é pobre e ele é rico e não tem de ficar apanhando de colega riquinho, não seja boboca se não te pisam em cima, deixa de ser trouxa e revida e se não resolver sozinho por lá me fala que vou na escola e baixo o barraco com a diretora que não é pra isso que pago escola particular cara pra ver meu filho levando porrada de coleguinha metido a valentão e a professora não fazendo nada só porque é rico e você é pobre, é pobre mas pago a mensalidade que é cara e nunca atraso porque sei honrar meus compromissos, então dá porrada também porque já tô cansada de ver seu avô levar porrada na vida até morrer e depois ver seu pai levar porrada na vida até morrer e agora não quero ver você levar porrada na vida até morrer, já tem dez anos e devia aprender a se virar ora essa, como é que vai crescer na vida se vive apanhando, não é peteca pra ficar levando tapa de todo mundo, mostra que é superior, dinheiro não é tudo, é pobre mas tem honra e orgulho próprio e não leva desaforo pra casa e há de ser grande e mostrar ao mundo e a essa gente quem é você, enxuga essas lágrimas e vai lavar a cara e tirar o uniforme que só tem esse, tem arroz e feijão quentinho, vê se pica um tomate e frita um ovo, cuidado pra não queimar e eu vou passar a roupa da dona Fátima do doutor Augusto e trata de fazer o para-casa e de estudar pra tirar nota boa que é pra isso que pago escola cara particular, é pra tu vencer na vida e deixa que a vasilha eu lavo que é pra ter tempo de estudar e tirar nota boa, vê se não deixa roupa espalhada no quarto, eu arrumei a sua gaveta que a sua gaveta tava uma desordem só, não bagunça ela de novo não, tá em cima do criado o lápis novo que eu comprei já tá apontado e vê se não me pede mais lápis, parece que engole lápis, que o material tá pela hora da morte e dinheiro não cai do céu...


III
Dalila tem Hermínio no colo

Deita aqui, filho, e põe a cabeça no meu colo, que mamãe tem que te falar umas coisa importante, e vê se escuta, porque filho meu não desiste não, ora bolas, já conseguiu nadar e vencer as maré e agora vai morrer na praia, de jeito nenhum, que ainda hei de ver tu formando, recebendo o diploma e todos batendo palma procê, nem pensa em desistir que o curso é bom e eu to pagando caro que é pra ver meu filho vitorioso, já passei muita humilhação e a medicina é profissão que dá dinheiro e tu há de ser o médico mais famoso desse país, às vez a gente faz o que não quer, pra ter o que quer, e tu há de gostar da profissão, quando tiver ganhando um rio de dinheiro, e se as nota tá fraca se vira e estuda e vara as noite em claro devorando os livro que isso mamãe não pode fazer pra tu, e se der branco na hora da prova, espicha os óio pra prova dos colega e trata de ganhar nota boa, que colar não prejudica ninguém, e seu avô e seu pai cansô de ser certinho na vida, os dois viveu com as mão calejada, de tanto trabaiá, os dois viveu com a pele curtida de tanto tomar sol e chuva e tirar da lavoura uns grão de mio e feijão e uma foia verde que mal dava pro nosso sustento, e os dois morreu pobre, os dois morreu sem dinheiro, sem glória, responde, filho, tu quer ser pequeno igual eles ou quer ser um homem grande, então para de chorar e de falar em desistir e tira dessa sua cabeça dura essa idéia de ser professor que professor só ganha pra mal viver e não é isso que eu quero pra tu e agora que consegui o crédito educativo vou dar conta de formar você, isso vou, ora essa, e não quero saber de filho meu desanimando à toa, tem que enfrentar os problema, tem que vencer as dificulcade, vai lá no quarto e vê lá em cima da cama o istestoscopo que me pediu e eu compreis às prestação, e o uniforme que fiz pra tu, ficou uma belezura e eu vou ficar muito orgulhosa de ver tu todo de branquinho igual um dotô, vou ficar toda prosa e mostrar pras minhas amiga, esse é meu filho, doutô em medicina.

IV
Hermílio sai do colo de Dalila

Eu sei, filho, que tu tem sua família, seus afazer, sua profissão, seus paciente, suas consulta, foi pra isso que te criei, pra ser gente importante nessa vida e agora tenho muito orgulho do filho que tenho e venceu na vida mostrando que é grande e não é pequeno como o avô, que não tinha onde cair morto e trabalhou a vida inteira e não conseguiu tirar a família da miséria, nem pequeno que nem seu pai, que morreu de tanto trabalhar, agora não tem que ficar ouvindo desaforo dos outros, não tem que ser humilhado por ninguém, então não fica triste não, que eu vou ficar muito bem aqui, já não tenho saúde pra ficar lavando roupa e também nem preciso porque não tenho mais despesa com tu e as minhas despesa eu tenho o salário da aposentadoria, não preocupa não que a mamãe vai ficar bem, aqui tem mais gente que nem eu e é tudo gente sofrida igual eu e que batalhou a vida inteira, aqui tem tudo que a mãe precisa, tem comida bem feitinha, roupa limpinha, uma toalha pra cada um, roupa de cama lavada e passadinha, tem até uma televisão e uma capelinha pras nossas oração, tem gente atenciosa cuidando da gente, não fica triste de me deixar aqui, que eu sei que vou ficar bem, só de saber que meu filho está bem e contente e feliz, com uma família bonita, uns filho bonito, uma mulher inteligente e bonita e doutora igual tu, os dois muito feliz cuidando dos filho, eu também fico muito feliz, vai filho, vai ser grande na vida, e não preocupa com a mamãe que ela vai viver contente porque conseguiu tudo que queria dessa vida, tudo que sempre pediu a Deus, vai, filho, vai ser grande na vida...
Então Dalila segue o filho até o portão do asilo, passos trêmulos, lágrimas merejando nos olhos e jorrando no coração, dá-lhe um último beijo, um demorado e úmido beijo na face, e fica ao portão, vendo seu filho todo bonito, todo elegante, todo de branquinho, distanciando-se, ficando cada vez mais longe, cada vez menor, e foi vendo-o diminuir, diminuir, e desaparecer...
Oldney

segunda-feira, setembro 18, 2006

SER TÃO MINEIRO

(Brumadinho/MG)
Sou tão poeta quanto sou mineiro
E tão sentimental e celerado
A minha alma de sonhos é canteiro
Onde cultivo um coração calado

Eu sou um trovador inveterado
Que fala em métricas e pensa em rimas
Das Gerais, falo e canto emocionado
dos ares, das paisagens e dos climas

Sou homem merencório das montanhas
A vagar solitário nos caminhos
A enxergar o murmúrio das entranhas
Das matas, terras, águas e dos ninhos

Alma notívaga a pairar silente
Na escuridão soturna dos umbrais
Sentindo a quintessêntica semente
De ódios e de amores eternais

Que renasce ao raiar de cada dia
Respira o céu, escuta o que o sol disse
E sente as guloseimas que aprecia
Pelo sabor, beleza e mineirice

Doce deleite que é poetizar
Ser tão poeta no sertão das Minas
Ouvir e ver o aroma deste ar
De flor e ferro e doce e pedras finas
(Oldney)

Oldney Lopes - Poeta

Minha foto
Mineiro, poeta, economiário, graduado em Letras, psicopedagogo, orientador de finanças pessoais.
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