sexta-feira, outubro 20, 2006

PRESENÇA



PRESENÇA

Ainda sinto teu gosto em minha boca
Tenho ainda em meus olhos tua imagem
E reténs, em meu âmago, em voragem
Teus ímpetos febris de fera louca.

Ainda sinto o calor do teu suor
E tua aura provocante, nua, airosa
E a fragrância inebriante de tua rosa
Perfumando o espaço ao meu redor

Tu me invades, assim, a cada instante
E ocupas todo o sítio onde eu esteja
Meu ser se acende, o corpo te deseja

E quando tento tirar-te de mim
A mente nega, mas a alma almeja
Viver contigo essa paixão sem fim.

Oldney
foto: "Luz de Velas", de Alba Luna. Disponível em: http://www.olhares.com/luz_de_velas/foto1037226.html. Acessado em 04/02/2007.

terça-feira, outubro 10, 2006

CONVERSO


Como mandamos naves ao espaço
Navegarem, perdidas, no universo
Cada palavra que, pensando, traço
É espaçonave camuflada em verso

Lanço a um tempo que ainda há de existir
Os pensamentos que me vêm agora
Transpassam décadas que hão de vir
Palavras-naves pelo tempo afora

Escrever é verter idéia em letra
Dar ao etéreo forma e silhueta
Legar pensares à posteridade

Ao gravar no papel meu pensamento
Fossilizo o instantâneo do momento
Giro a ampulheta, forjo a eternidade!

Oldney

sábado, outubro 07, 2006

DOMINGO MINEIRO

Ouço o chiar da frigideira ao fogo
Sinto o aroma do alho sapecando
E aqui na mesa, a cachacinha e o jogo,
Um violão, um cantador tocando.

Lá na cozinha, mãos habilidosas,
Em fios finos vão cortando a couve
Na sala, a dona, enquanto ajeita as rosas,
Canta a canção, que embevecida ouve.

Vêm o amigo, o compadre, o vizinho,
Trazendo muito riso e algum agrado,
Um queijo, um doce, a pinga, o torresminho,
E vão se aprochegando, lado a lado.

A mesa, agora posta, une essa gente,
Em torno da comida e da bebida.
Enquanto a prosa corre alegremente
Festeja-se a amizade, em brinde à vida.

Batata doce, assada no borralho,
Tutu, arroz soltinho, e vêm com gabo
O angu e a costelinha, a couve ao alho
E a galinha caipira com quiabo.

Depois a sobremesa e o cafezinho
O sono, a paz, o cochilo ligeiro
Vai cumprindo-se, assim, devagarzinho,
Todo o sabor de um domingo mineiro.


Oldney

LADAINHA MINHA


Pelo peso das palavras
Pela rigidez das formas
Leitor,
tende piedade de mim

Por não saber agradar
Nem escrever sem rimar
Leitor,
tende piedade de mim

Pela poética torta
E esta estilística morta
Leitor,
tende piedade de mim

Por meu verso pobre assim
Tão modesto, tão chinfrim,
Leitor,
tende piedade de mim!

Oldney

A OUTRA MARGEM


Na outra margem do rio, moram sonhos impossíveis
Moram velhos vaticínios, mora um sorriso aprazível
Mora um olhar amigável, e a alegria indizível
Refletida na retina dos olhos embevecidos
De angústia e solidão, que olhando a imensidão
Fitando o longe e o nunca, enxergam maravilhados
O deleite da paisagem, que brilha do outro lado
Que mora na outra margem.



Mas a correnteza bravia
Grita sempre aos meus ouvidos, o mesmo e eterno estribilho
Dos lamentos doloridos, que ecoam no chão vazio
Do oco, do nada, do vão, do espaço surdo e sombrio
Dentro do meu coração.


Oldney

terça-feira, outubro 03, 2006

O RISO



O RISO

É bomba
Quando zomba

É arma
Quando escarna

É sede
Quando pede

É flama
Quando ama

BAÚ ENCANTADO













Num dia de aniversário
Com bolo, velinha e balão
Brilho, luz, festa, magia,
Guardei no baú encantado
O meu rosto lambuzado
De cajuzinho e alegria

Guardei minhas fantasias,
Meus brinquedos de menino:
Os carrinhos sem rodinhas
A bola furada e murcha
Também a bola de meia
E as bolinhas de gude
As tampinhas de garrafa
O pião
O ioiô
O dominó
O pega-varetas
O resta-um

Guardei ainda as ilusões:
Meus sonhos de infância
Meus vaticínios
Minhas emoções.

Antes de trancar,
Guardei o Papai Noel
E o Coelhinho da Páscoa.
Guardei o sorriso de Mamãe
E a lágrima solitária do Papai
Emocionado ao me ver contente
Abrindo o meu presente
Na noite de Natal
(guardei também o Natal
e os ovos de páscoa)

Agora procuro a chave
Do meu baú encantado.
Constato, desapontado
Que a chave sumiu pra sempre:

Eu a perdi numa das voltas
Do ponteiro do relógio
Ou numa das que o mundo deu
Ou numa das folhas arrancadas
Do calendário de parede

Perdi a chave no passar da história
E o baú – já não mais encantado
Pra sempre estará trancado
Guardado, tão bem guardado
Na caverna escura da minha memória

Oldney

segunda-feira, outubro 02, 2006

VIRTUALMENTE CRÔNICO




VIRTUALMENTE CRÔNICO

(CRÔNICA)



Liguei meu computador numa dessas madrugadas em que o sono insiste em não chegar e, conectado à internet, em vez de buscar um sítio específico, como costumo fazer em tais ocasiões, comecei a navegar a esmo, até que, em algum momento, flagrei-me parado, olhando para a telinha cintilante. De repente, no alto da tela, vejo um simpático inseto verde, estático, fitando-me: uma esperança, ou "louva-a-deus", como é conhecido por aqui. Voltando meu olhar para dentro da tela, fiquei pensando em quanta coisa estava ali, tão longe quanto o lado oposto da Terra, e tão próxima – na distância de um clique.

A rede mundial de computadores é esse grande paradoxo, no qual estando solitário, estou no meio da multidão; fechado entre as paredes de uma pequena sala, estou em qualquer parte do mundo, quiçá do espaço. Uma antitética e confusa situação em que o virtual e o real não são demarcados por limites definitivos.

Enquanto imaginávamos o homem passeando pelo solo de Marte, ou desbravando a infinitude cósmica, um revés de eclosão faz com que o mundo se volte para o seu próprio interior – ovo gigante quebrando-se para dentro de si. Assistimos, estarrecidos, a toda a sociedade humana convergindo para dentro do computador, numa espantosa condensação de lugares, seres e épocas, capaz de provocar uma reviravolta espantosa nos tradicionais conceitos de tempo e espaço, e na forma de ver o mundo e as relações entre as pessoas. Notamos que o planeta inteiro cabe dentro de um quadradinho que brilha à nossa frente.

Ao mesmo tempo em que expandem-se as fronteiras do conhecimento científico e das informações, o mundo encolhe, as distâncias espaço-temporais encurtam, e o indivíduo é cada vez mais preso à solidão real e à socialização virtual. Isso preocupa-me. Se por um lado a vertiginosa ascensão do desenvolvimento tecnológico é salutar e desejável, é de se temer, entretanto, a franca decadência das relações tete-a-tete. Ouvi um amigo comentar que, no dia do seu aniversário, presenciou uma missa pela internet e acendeu uma vela virtual para o santo de sua devoção, acompanhando, nos dias seguintes, a progressiva queima. Vejo as salas de bate-papo e os encontros virtuais ficarem cada vez mais populares, e pergunto-me se isso está aproximando ou distanciando as pessoas. Quando ouço alguém falar em "exclusão digital", fico pensando em como o indivíduo excluído socialmente vem deixando de ser o sem-lar, o não alfabetizado, o desassistido, o faminto, o descamisado, para ser o desprovido de acesso à rede.
Sonho com um futuro em que a informática congregue os povos e os indivíduos, estreite e fortaleça laços de fraternidade e possibilite acesso ao conhecimento a cada ser humano. Mas suponho, repudio e temo um porvir no qual cada indivíduo viva trancado entre quatro paredes, de onde façam suas compras, trabalhem, orem, namorem, divirtam, pratiquem até sexo, fisicamente só, virtualmente conectado com toda a humanidade, como embriões dentro de ovos cuja casca jamais se rompa.

Volto o olhar para o distante mundo do meu lar. Quebra-se o encanto, desfaz-se a hipinose. Satisfeito, percebo que a esperança continua aqui, mãos postas, junto a mim...



Oldney
foto: "Poder dos media - I", de Fernando Figueiredo, disponível em: http://www.olhares.com/poder_dos_media__i/foto883920.html (acessado em 28 de janeiro de 2007)

Oldney Lopes - Poeta

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Mineiro, poeta, economiário, graduado em Letras, psicopedagogo, orientador de finanças pessoais.
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