VIRTUALMENTE CRÔNICO
(CRÔNICA)
Liguei meu computador numa dessas madrugadas em que o sono insiste em não chegar e, conectado à internet, em vez de buscar um sítio específico, como costumo fazer em tais ocasiões, comecei a navegar a esmo, até que, em algum momento, flagrei-me parado, olhando para a telinha cintilante. De repente, no alto da tela, vejo um simpático inseto verde, estático, fitando-me: uma esperança, ou "louva-a-deus", como é conhecido por aqui. Voltando meu olhar para dentro da tela, fiquei pensando em quanta coisa estava ali, tão longe quanto o lado oposto da Terra, e tão próxima – na distância de um clique.
A rede mundial de computadores é esse grande paradoxo, no qual estando solitário, estou no meio da multidão; fechado entre as paredes de uma pequena sala, estou em qualquer parte do mundo, quiçá do espaço. Uma antitética e confusa situação em que o virtual e o real não são demarcados por limites definitivos.
Enquanto imaginávamos o homem passeando pelo solo de Marte, ou desbravando a infinitude cósmica, um revés de eclosão faz com que o mundo se volte para o seu próprio interior – ovo gigante quebrando-se para dentro de si. Assistimos, estarrecidos, a toda a sociedade humana convergindo para dentro do computador, numa espantosa condensação de lugares, seres e épocas, capaz de provocar uma reviravolta espantosa nos tradicionais conceitos de tempo e espaço, e na forma de ver o mundo e as relações entre as pessoas. Notamos que o planeta inteiro cabe dentro de um quadradinho que brilha à nossa frente.
Ao mesmo tempo em que expandem-se as fronteiras do conhecimento científico e das informações, o mundo encolhe, as distâncias espaço-temporais encurtam, e o indivíduo é cada vez mais preso à solidão real e à socialização virtual. Isso preocupa-me. Se por um lado a vertiginosa ascensão do desenvolvimento tecnológico é salutar e desejável, é de se temer, entretanto, a franca decadência das relações tete-a-tete. Ouvi um amigo comentar que, no dia do seu aniversário, presenciou uma missa pela internet e acendeu uma vela virtual para o santo de sua devoção, acompanhando, nos dias seguintes, a progressiva queima. Vejo as salas de bate-papo e os encontros virtuais ficarem cada vez mais populares, e pergunto-me se isso está aproximando ou distanciando as pessoas. Quando ouço alguém falar em "exclusão digital", fico pensando em como o indivíduo excluído socialmente vem deixando de ser o sem-lar, o não alfabetizado, o desassistido, o faminto, o descamisado, para ser o desprovido de acesso à rede.
Sonho com um futuro em que a informática congregue os povos e os indivíduos, estreite e fortaleça laços de fraternidade e possibilite acesso ao conhecimento a cada ser humano. Mas suponho, repudio e temo um porvir no qual cada indivíduo viva trancado entre quatro paredes, de onde façam suas compras, trabalhem, orem, namorem, divirtam, pratiquem até sexo, fisicamente só, virtualmente conectado com toda a humanidade, como embriões dentro de ovos cuja casca jamais se rompa.
Volto o olhar para o distante mundo do meu lar. Quebra-se o encanto, desfaz-se a hipinose. Satisfeito, percebo que a esperança continua aqui, mãos postas, junto a mim...
Oldney
Liguei meu computador numa dessas madrugadas em que o sono insiste em não chegar e, conectado à internet, em vez de buscar um sítio específico, como costumo fazer em tais ocasiões, comecei a navegar a esmo, até que, em algum momento, flagrei-me parado, olhando para a telinha cintilante. De repente, no alto da tela, vejo um simpático inseto verde, estático, fitando-me: uma esperança, ou "louva-a-deus", como é conhecido por aqui. Voltando meu olhar para dentro da tela, fiquei pensando em quanta coisa estava ali, tão longe quanto o lado oposto da Terra, e tão próxima – na distância de um clique.
A rede mundial de computadores é esse grande paradoxo, no qual estando solitário, estou no meio da multidão; fechado entre as paredes de uma pequena sala, estou em qualquer parte do mundo, quiçá do espaço. Uma antitética e confusa situação em que o virtual e o real não são demarcados por limites definitivos.
Enquanto imaginávamos o homem passeando pelo solo de Marte, ou desbravando a infinitude cósmica, um revés de eclosão faz com que o mundo se volte para o seu próprio interior – ovo gigante quebrando-se para dentro de si. Assistimos, estarrecidos, a toda a sociedade humana convergindo para dentro do computador, numa espantosa condensação de lugares, seres e épocas, capaz de provocar uma reviravolta espantosa nos tradicionais conceitos de tempo e espaço, e na forma de ver o mundo e as relações entre as pessoas. Notamos que o planeta inteiro cabe dentro de um quadradinho que brilha à nossa frente.
Ao mesmo tempo em que expandem-se as fronteiras do conhecimento científico e das informações, o mundo encolhe, as distâncias espaço-temporais encurtam, e o indivíduo é cada vez mais preso à solidão real e à socialização virtual. Isso preocupa-me. Se por um lado a vertiginosa ascensão do desenvolvimento tecnológico é salutar e desejável, é de se temer, entretanto, a franca decadência das relações tete-a-tete. Ouvi um amigo comentar que, no dia do seu aniversário, presenciou uma missa pela internet e acendeu uma vela virtual para o santo de sua devoção, acompanhando, nos dias seguintes, a progressiva queima. Vejo as salas de bate-papo e os encontros virtuais ficarem cada vez mais populares, e pergunto-me se isso está aproximando ou distanciando as pessoas. Quando ouço alguém falar em "exclusão digital", fico pensando em como o indivíduo excluído socialmente vem deixando de ser o sem-lar, o não alfabetizado, o desassistido, o faminto, o descamisado, para ser o desprovido de acesso à rede.
Sonho com um futuro em que a informática congregue os povos e os indivíduos, estreite e fortaleça laços de fraternidade e possibilite acesso ao conhecimento a cada ser humano. Mas suponho, repudio e temo um porvir no qual cada indivíduo viva trancado entre quatro paredes, de onde façam suas compras, trabalhem, orem, namorem, divirtam, pratiquem até sexo, fisicamente só, virtualmente conectado com toda a humanidade, como embriões dentro de ovos cuja casca jamais se rompa.
Volto o olhar para o distante mundo do meu lar. Quebra-se o encanto, desfaz-se a hipinose. Satisfeito, percebo que a esperança continua aqui, mãos postas, junto a mim...
Oldney
foto: "Poder dos media - I", de Fernando Figueiredo, disponível em: http://www.olhares.com/poder_dos_media__i/foto883920.html (acessado em 28 de janeiro de 2007)
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